“Augustos e digníssimos senhores representantes da Nação”.
Exatamente com essas palavras que todos os anos, desde 1823, a Fala do Trono era iniciada. A Fala do Trono é comum em vários países monárquicos e, basicamente, representa uma mensagem do Chefe de Estado para os parlamentares de seu país e seus súditos. No Brasil, a prática começou ainda com D. Pedro I e se estendeu até o final do Império, tendo sido também protagonizada pelos regentes, antes da maioridade de D. Pedro II, e pela Princesa D. Isabel, quando da ausência de seu pai. Tal ação acontecia na abertura da Assembleia Geral, reunindo, duas vezes ao ano, o Senado e a Câmara dos Deputados do Império.
À esquerda: Abolição da Escravatura de Victor Meireles, acervo Brasiliana Itaú Cultural. A direita: Imperador Dom Pedro I. Pintura de Pedro Américo, 1879. Acervo do Museu Nacional de Belas Artes
O momento da Fala do Trono era uma das raras oportunidades que se tinha para observar o Imperador, agora destacando D. Pedro II, com toda a pompa imperial: a coroa de ouro cravejada de pedras preciosas, o cetro com a serpe dos Bragança no topo, e o seu manto majestático ricamente bordado.
Nos discursos dos monarcas versavam temas importantes como os problemas pelos quais o país passava, além dos desafios e propostas para superá-los. Metas que a Nação deveria alcançar naquele ano eram comuns nas falas proferidas. Temas como abolição da escravidão, imigração, fronteiras territoriais e até notícias da Família Imperial eram frequentes. Esses momentos, de suma importância política em nossa História, aconteciam no Palácio do Conde dos Arcos, sede do Senado nos tempos do Império, mas que hoje abriga a Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.
Marcos Magalhães, historiador e consultor legislativo do Senado, lembra-nos da importância das Falas do Trono como elemento de consolidação nacional num Brasil recém-independente:
“Para se consolidar, uma nação precisa ser construída também no imaginário coletivo. As imagens e os rituais, como as Falas do Trono, são fundamentais nesse processo.”
Todas as folhas lidas pelos imperadores e regentes, antes do final do Império, foram organizadas e encadernadas em volume único. A importância da documentação é tanta, que seu valor histórico foi reconhecido pela UNESCO, que incluiu a obra na lista brasileira do Programa Memória do Mundo. Tal projeto já tinha incluído na lista documentos como a Bíblia de Gutenberg, na Alemanha, e a Carta de Pero Vaz de Caminha, em Portugal.
Juramento da Princesa Isabel, 1875, de Victor Meirelles, acervo Museu Imperial em Petrópolis.
Momentos marcantes da vida da Família Imperial, como o nascimento e morte de D. Afonso, primeiro filho de D. Pedro II, estão eternizados em seus discursos, assim como a alegria do segundo matrimônio de D. Pedro I e a abolição da escravatura. Contudo, talvez as palavras não fossem suficientes para eternizar tão imponentes momentos de nossa História. É aí onde entra a genialidade do pintor Pedro Américo de Figueiredo e Melo.
Em um trecho da fala de abertura do ano legislativo de 1830, o imperador Dom Pedro I aborda a necessidade de leis que facilitassem a distribuição de terras após acordos internacionais para o fim do tráfico de escravos.
“O trafico da escravidão cessou, e o governo está decidido a empregar todas as medidas que a boa fé e a humanidade reclamem para evitar a continuação debaixo de qualquer forma ou pretexto que seja: portanto, julgo de indispensável necessidade indicar-vos que é conveniente facilitar a entrada de braços uteis. Leis que autorizem a distribuição de terras incultas e que afiancem a execução dos ajustes feitos com os colonos, seriam de manifesta utilidade e de grande vantagem para nossa industria em geral”
No dia 3 de maio de 1888, a Princesa imperial regente, Isabel, é recebida por parlamentares no Palácio do Conde dos Arcos, sede do Senado. É lá que, no discurso de abertura do ano legislativo, ela defende o fim do trabalho servil no país. A Lei Áurea, que aboliu a escravidão, foi aprovada em regime de urgência, apenas dez dias após a fala da princesa regente.
“A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente do tal modo, que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a unica excepção que nele figura em antagonismo com o espirito cristão e liberal das nossas instituições”
Fala do Trono (Dom Pedro II na Abertura da Assembléia Geral), 1872, coleção Museu Imperial, Pedro Américo.
Em 1872, o grande pintor brasileiro decidiu deixar para a posteridade uma representação belíssima da Fala do Trono. D. Pedro II foi retratado no quadro “Fala do Trono”, também conhecido por “Dom Pedro II na Abertura da Assembleia Geral”. A obra tem dimensões de 288 x 205 cm e utilizou-se a técnica de óleo sobre tela, e retratam, além do Imperador em primeiro plano, a família Imperial na tribuna, e famosos personagens do governo e da política no plenário. Para efeito de curiosidade, o trono retratado, em partes, atrás do Imperador, e que era utilizado no Senado Imperial, encontra-se hoje no Museu Histórico Nacional, no centro do Rio de Janeiro, enquanto as vestes fazem parte do acervo do Museu Imperial de Petrópolis.
Trono em talha dourada que pertenceu a senado do Império, acervo Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro.
O Traje Majestático
Falar sobre o traje usado por d. Pedro II em sua coroação, antes de mais nada, é falar sobre como a indumentária é o atributo de quem a veste. Mais que peças de design de moda, as peças que o compõem são símbolos de poder e de afirmação do país recém-independente que buscava lugar e respeito entre os grandes e tradicionais reinos existentes na Europa do século XIX.
O traje foi idealizado numa concepção romântica do que seria o traje de um cavaleiro do Renascimento quando participava de uma cerimônia solene. De acordo com publicações da época, era chamado de Veste de Cavaleiro. Reforçado pelo fato de que eram usadas somente durante cerimônia solene que ocorria duas vezes ao ano, essas peças são tratadas como Insígnias Imperiais e não somente como peças de indumentária. As peças são de inspiração das utilizadas na corte francesa para as solenidades reais.
Em cetim branco bordados em ouro encontram-se: A Véstia – espécie de túnica com comprimento até a altura dos joelhos – bordada com motivos de ramos de carvalho – arrematada na gola por uma Gravata de renda francesa; os Manípulos em forma de laços bordados com motivos de ramos de carvalho e pequenas estrelas, e ao centro da peça, uma rosácea franzida bordada e cosida ao manípulo – esta peça é uma espécie de estola, inspirada no paramento litúrgico utilizado por sacerdotes atado junto ao braço esquerdo; a Faixa bordada a ouro formando lírios e campânulas em cada uma das pregas, dá a volta à cintura da veste é arrematada por laço do qual pendem duas pontas com franjas de canutilhos dourados – e também foi inspirada em paramentos sacerdotais; os Sapatos em cetim e couro bordados com motivos de palmas estilizadas, ramagens de carvalho e gavinhas; e as Luvas cândidas, com as armas do Império do Brasil bordadas a ouro.
Compunha, também, este traje, o Chapéu, confeccionado por João Carlos Palhares, em veludo branco bordado a ouro, nas dimensões de 14 x 36 x 29 cm, bordado com motivos de ramos de carvalho em ouro e canutilhos. Foi usado somente ao chegar ao local da cerimônia, a Capela Imperial.
A Coroa Imperial – símbolo do novo Reinado – foi concebida e trabalhada em ouro cinzelado amarelo e esverdeado pelo ourives Carlos Marin em 1841 para a Coroação e Sagração de D. Pedro II. Foram usadas jóias da família para sua confecção: os 639 brilhantes que compõem essa peça foram reaproveitados da coroa de seu pai, D. Pedro I, e o fio de 77 pérolas da base era proveniente das jóias de sua mãe, a Imperatriz D. Leopoldina. A base da coroa suporta oito semiarcos encimados por uma Orbe com cruz de prata. A Coroa tem 32 cm de altura, é forrada com veludo e cetim verde, e pesa quase dois quilos. É considerada por muitos a jóia mais importante e valiosa das Américas. A coroa contava, à época, com mais diamantes acima da base entre os aros, que se perderam após o Golpe de 1889.
O Cetro possui 200 x 17 cm e foi executado em ouro cinzelado e latão pelos ourives Manuel Inácio de Loiola e Inácio Luiz da Costa em 1822 para a Coroação e Sagração de D. Pedro I. Francisco Marques dos Santos nos descreve a obra: “Haste oca e lisa formada por seis segmentos articulados; na parte superior, guirlanda de folhas e frutos de carvalho. Acima, capitel em forma de campana invertida ornada com folhas estilizadas; ábaco retangular de ângulos seccionados também emoldurados com folhas estilizadas sobre o qual estão assentadas serpe de asas espalmadas e cauda revirada para cima com boca aberta, de onde pende língua farpada e móvel. Olhos feitos de brilhantes que foram afixados na época da coroação de d. Pedro II; parte inferior com ornado em forma de folhagem, cingido por listel e terminado em forma de calota.”
O Manto de D. Pedro II, utilizado por 48 anos durante todo o Segundo Reinado, foi criado e feito a mão pela Sra. Rosa Alexandrina de Lima, ao custo de três contos de réis. Em veludo verde e lhama dourada, é bordado em ouro, canutilhos (fosco, brilhante e frisado), lantejoulas, palhetas, cordão e fios de ouro diversos. Enquanto o Imperador D. Pedro I utilizava um manto em estilo poncho, criado por J. B. Debret, o Segundo Reinado resgatou a forma europeia de manto. Na cerimônia de coroação, esta insígnia foi levada no cortejo pelo Marquês de Baependi, Manuel Jacinto Nogueira da Gama. A peça possui largura de 1,93 m e comprimento de 3,05 m. Destacam-se os bordados que retratam serpes dos Braganças, esferas armilares e estrelas de cinco pontas na parte traseira; o contorno coroado por ramos e bolotas de carvalho e estrelas com a sigla PII; e a bainha bordada a grega de três, na qual existem retângulos que se alternam um com uma estrela e outro com uma lua crescente, ambas em lantejoulas.
A Murça, de autoria desconhecida, foi executada em cetim de seda bege e verde escuro, com 31 cm de altura e 177 cm de comprimento quando aberta, é toda recoberta por penas de papo-de-tucano de bico preto (Ramphastos vitellinus ariel vigors) na cor dourada. Fazia parte do Traje Majestático de D. Pedro I e, posteriormente, foi enviada para seu filho, D. Pedro II, para compor o seu Traje Majestático.
O Traje era composto, também, pela Espada do Cruzeiro, pela Grã-cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro, colocada sobre a túnica e sob o manto, e o Colar da Imperial Ordem da Rosa, posto sobre a murça. Ambas as ordens imperiais já apresentadas aqui em nosso site.
Foi justamente com base em tudo isso acima descrito, que a Von Regium decidiu trazer um sopro dessa Fala do Trono e dessa obra de arte de Américo para perto de você. Inicialmente um projeto ambicioso, que necessitaria de um conjunto difícil de ser reunido: um artista talentoso, técnicas inovadoras de impressão 3D e o maior número possível de detalhes. O resultado não poderia ter ficado mais incrível. Nós apresentamos a vocês o primeiro Colecionável da Von Regium: D. Pedro II na Fala do Trono de 1872.
Este foi um projeto que levou o tempo necessário para ficar perfeito. Para nós, todos os nossos produtos são homenagens ao nosso período imperial e, justamente por isso, merecem toda nossa atenção, dedicação, respeito com a nossa História e patriotismo!
Paulo Rezzutti, biógrafo de D. Pedro II, nos brindou com essas palavras acerca da Fala do Trono e de nosso produto:
“O monarca brasileiro abria tradicionalmente o ano legislativo com um discurso conhecido como Fala do Trono. Elas ocorreram de 1823 a 1889. A cerimônia era realizada no antigo Paço do Senado, onde deputados e senadores reuniam-se em assembleia geral. Na ocasião, o monarca fazia um balanço geral do ano anterior e procurava passar aos políticos os assuntos que a coroa considerava como prioritários. Mais de uma vez D. Pedro II, por exemplo, mencionou a questão da abolição, sem que os congressistas fizessem algo sobre o assunto. A estátua, que agora você tem em mãos, é uma réplica tridimensional da pintura realizada por Pedro Américo retratando o imperador D. Pedro II na abertura da Assembleia Geral em 3 de maio de 1872. Na época, o monarca contava com 46 anos de idade e 30 anos no trono.”
Se você é apaixonado pela História do Brasil, se admira D. Pedro II, não pode deixar de ter nosso D. Pedro II colecionável com você.
Referências:
Barman, Roderick J. Citizen Emperor: Pedro II and the Making of Brazil, 1825-1891. Stanford University Press, 2002.
Rodrigues, J.W. Vestes da sagração e coroação. In Anuário do Museu Imperial, Vol 11. 1959.
Santos, Francisco Marques dos. A Ourivesaria no Brasil Antigo. In: Estudos Brasileiros, N° 12. p. 642.
Monteiro, Tobias. A Elaboração da Independência. 1927, p. 552.
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